O Pravda (“Jornal de Angola” como também é conhecido) acusa em editorial a eurodeputada portuguesa Ana Gomes de “interferir” em assuntos do “foro único do poder judicial angolano e dos órgãos de soberania nacionais”, acusando-a de “apadrinhar” o que apelida de “planos de subversão”.
A eurodeputada socialista veio a Luanda a convite da Associação Justiça Paz e Democracia, enquanto membro do Parlamento Europeu e da subcomissão de Direitos Humanos, acontecendo a visita numa altura de forte tensão política no país, agravada com a realização, na quarta-feira, de uma manifestação de activistas reclamando a libertação de outros 15 jovens suspeitos de preparem um golpe de Estado e que acabou com uma carga policial.
“Não bastassem os gestos profundamente inamistosos e as demonstrações de deslealdade que tem vindo a passar a nível internacional, ao apadrinhar os novos planos de subversão contra Angola (…), a eurodeputada socialista Ana Gomes deslocou-se mesmo a Angola e, numa atitude arrogante e provocatória, tem estado a interferir em assuntos do foro único do poder judicial angolano e dos órgãos de soberania nacionais”, lê-se no editorial do pasquim do regime.
Intitulado de “Regras da democracia”, o texto aborda o funcionamento ficcional das instituições democráticas em Angola e o cumprimento das liberdades e garantias.
Ana Gomes tem sido alvo, nos últimos dias, de várias referências críticas públicas por parte de políticos ligados aos donos do regime, no poder desde 1975, devido às posições adoptadas, nomeadamente sobre a defesa dos direitos humanos e liberdade de expressão no país.
“Mas o mais grave é que a eurodeputada portuguesa não se importou de fazer tábua rasa dos fundamentos do processo judicial, que foram apresentados publicamente pelo Ministério Público de Angola, e de solidarizar-se com indivíduos acusados de rebelião, na melhor tradição daqueles que em Portugal sempre apoiaram Jonas Savimbi, apesar de ser considerado um criminoso de guerra”, escreve ainda o Pravda, dando pública divulgação das ordens recebidas do MPLA.
Recorda o editorial, mais uma vez numa estirada ficcional, que “Angola é um Estado de direito democrático” e que os angolanos e o processo de paz “estão reconciliados” e “consolidados”.
“Os dirigentes angolanos souberam sempre qual o seu papel na luta pela defesa da liberdade e dos direitos humanos. Milhões de angolanos foram capazes de combater o colonialismo e o fascismo português e deram as suas vidas para a libertação dos povos das ex-colónias portuguesas e dos povos da África Austral”, lê-se no editorial.
Por último, o “Jornal de Angola” diz que “ver hoje políticos portugueses ofenderem esse passado comum e glorioso de combate a favor da Humanidade, preferindo alinhar com quem fomenta a violência e a rebelião em Angola” representa “uma infâmia para os angolanos”.
“Aqueles que se esquecem do passado estão condenados a cometer os mesmos erros. E nós, em Angola, não queremos isso”, remata o editorial.
Também nós entendemos que quem está sempre a falar do passado deve perder um olho. Mas quem o esquece deve perder os dois.
O ódio dos dirigentes do MPLA a Ana Gomes é antigo. Tão antigo quanto a alergia do regime à verdade, à liberdade. Recorde-se que Ana Gomes disse, por exemplo, no dia 6 de Setembro de 2008, exactamente aqui em Luanda, que eram “legítimas” as dúvidas que foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre a votação em Luanda.
Ana Gomes, que integrava a missão de observação eleitoral da União Europeia nas segundas eleições multipartidárias de Angola, acrescentou na altura que havia situações ocorridas durante a votação em Luanda que permitem “duvidar da desorganização” que o processo teve.
“Luanda destoa claramente do resto do país”, afirmou Ana Gomes, que apontou as restantes 17 províncias como palco de eleições bem organizadas e com uma “forte participação” dos eleitores que “indicia que os angolanos querem a democracia e o desenvolvimento do seu país”.
A eurodeputada portuguesa, que sublinhou falar apenas em seu nome, em função do que observou e das informações que recolheu, que “é lícito que se exija saber o que realmente se passou efectivamente em Luanda”.
Sobre o processo de impugnação das eleições em Luanda então iniciado pela UNITA junto da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Ana Gomes afirmou que “pode apenas dizer que a desorganização foi bem organizada”, porque o resto “devem ser os angolanos a analisar em conjunto”.
Como exemplos para o que no seu entender “correu bastante mal”, Ana Gomes descreveu a impossibilidade a que foram sujeitos “mais de 300 observadores” da sociedade civil angolana em presenciar o escrutínio.
“Isto, quando, à última da hora, foram credenciados 500 observadores por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA”, afirmou. “Parece que alguém não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”, acusou.
Outro dos pontos sublinhados por Ana Gomes foi o facto de “as eleições em Luanda terem decorrido sem a presença de cadernos eleitorais nas assembleias de voto”, anotando que “isto – a falta de cadernos eleitorais – não pode ser apenas desorganização”.
Elogiando a participação dos eleitores angolanos, Ana Gomes considerou que isso “constitui uma mensagem claríssima” de que estes querem a democracia e o desenvolvimento.
Preconizou, embora sem sucesso, que fosse “encontrada a melhor solução” para que se possa salvar a “verdade” eleitoral porque “só Luanda destoa” da forma ordeira e com civismo como decorreram as eleições no restante país.
Colocada em Cabinda durante a votação, Ana Gomes disse ter ali observado “tentativas grosseiras” por parte de elementos do MPLA em “condicionar os eleitores”, mas frisou que “isso não coloca em causa a forma ordeira e bem organizada” com a eleição decorreu no território ocupado por Angola.